Diagnóstico precoce e cuidado especializado motivam trabalho da CDR
Na Casa dos Raros (CDR), a jornada de centenas de famílias em busca de um diagnóstico começa com uma escuta atenta e uma avaliação minuciosa. A maior parte dos casos atendidos envolve condições genéticas associadas à deficiência intelectual, muitas delas acopladas a epilepsias e transtornos do desenvolvimento. “É o grupo mais frequente hoje na CDR”, afirma a Dra. Carolina Fischinger Moura de Souza, superintendente da clínica. “São pacientes com retardo mental, dificuldades de aprendizagem e interação social, muitas vezes também com transtornos psiquiátricos importantes”, acrescenta.
EIXOS - A categorização segue três grandes eixos estabelecidos na abordagem das doenças raras: o primeiro voltado à deficiência intelectual; o segundo, a malformações e condições de aparecimento tardio; e o terceiro, aos erros inatos do metabolismo, que representam entre 8% e 10% dos casos acompanhados.
Segundo Dra. Carolina, embora haja doenças de início tardio entre os diagnósticos mais comuns, como a doença de Huntington e as ataxias espinocerebelares, o perfil predominante ainda é de crianças com múltiplos sinais clínicos desde os primeiros anos de vida. “São quadros que impactam profundamente o desenvolvimento e também desestruturam emocional e socialmente as famílias”, pontua.
QUEBRA-CABEÇA - O caminho até o diagnóstico definitivo é longo e exige a articulação de múltiplas áreas. Cada paciente segue um fluxograma clínico específico, conforme o tipo de manifestação apresentada (seja epilepsia, deficiência intelectual, distúrbios do movimento ou malformações). “Seguimos diretrizes internacionais de investigação. É um processo muito complexo, como montar um quebra-cabeça”, explica a médica.
ANÁLISES - Entre os principais exames realizados estão o cariótipo, que avalia os cromossomos; o CGH-array, que permite identificar microdeleções e microduplicações; e o sequenciamento de exoma, considerado o exame mais robusto nessa área, com sensibilidade diagnóstica em torno de 30%.
ESPERA - Atualmente, o tempo médio entre o encaminhamento e a conclusão do diagnóstico é de cerca de 150 dias. Após esse processo, o paciente retorna ao município de origem com um relatório médico detalhado. “A Casa dos Raros não faz acompanhamento contínuo. Nosso papel é realizar uma avaliação aprofundada e orientar a rede local para a continuidade do cuidado”, reforça Dra. Carolina.
MANEJO - Apenas cerca de 2% das doenças genéticas raras têm tratamento medicamentoso específico. Quando isso ocorre, a equipe da Casa dos Raros inicia a prescrição, como nos casos de mucopolissacaridoses (MPS I, II), e articula a continuidade no município do paciente. Para os demais 98%, o tratamento envolve manejo clínico, terapias multidisciplinares e suporte educativo. “O cuidado envolve fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, educação especial e tratamento de sintomas como epilepsia, TDAH ou baixa estatura, quando há indicação para uso de hormônio de crescimento”, detalha a superintendente.
EQUIPE - A equipe multidisciplinar da Casa dos Raros é composta por psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, dentistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem e assistentes sociais. Em casos crônicos, como distrofia muscular de Duchenne ou doenças metabólicas como a citogenemia, o acompanhamento segue por teleatendimento semestral, garantindo continuidade mesmo à distância.
AGRAVANTES - A complexidade clínica muitas vezes se soma a fatores sociais. “Muitos pacientes enfrentam pobreza extrema, falta de acesso a terapias e educação. Há comorbidades sociais importantes, como uso de drogas e álcool nas famílias. Isso exige um olhar ampliado da equipe para garantir acesso aos benefícios e direitos de saúde, que muitos sequer conhecem”, relata.
TRIAGEM - A triagem neonatal é uma das principais ferramentas de diagnóstico precoce. No Brasil, o programa do SUS (Sistema Único de Saúde) abrange sete doenças: hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, anemia falciforme, fibrose cística, toxoplasmose congênita, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. Segundo a Dra. Carolina, todas essas condições, se não tratadas precocemente, podem causar danos graves ao desenvolvimento. “Há uma lei que prevê a ampliação da triagem, mas ainda não sabemos como ela será implementada nem quais doenças serão incluídas. Enquanto isso, estados como o DF, Minas Gerais e o município de São Paulo já realizam triagem ampliada”, informa. O número de doenças triadas varia de 35 a 65, dependendo da localidade.
URGÊNCIAS - Entre as doenças cuja detecção precoce é mais discutida está a atrofia muscular espinhal (AME), uma condição progressiva e potencialmente fatal. “Detectada precocemente, a AME pode ser tratada com pelo menos três estratégias terapêuticas diferentes. É uma urgência diagnóstica”, defende.
PARCERIAS - A Casa dos Raros também tem atuado em projetos educacionais com a SBTEIM (Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo), entidade independente que compartilha a missão de ampliar o acesso ao diagnóstico precoce. Entre as iniciativas conjuntas está a produção do Guia de Nutrição Metabólica, com selo de revisão das duas instituições.
EDUCAÇÃO - Além disso, profissionais da Casa participam de ações educativas voltadas à atenção básica em saúde, por meio de parcerias com instituições como a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Nosso papel é também formar, educar, levar esse conhecimento para quem está na ponta do cuidado”, finaliza Dra. Carolina.